sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Livro sobre transição agroecológica mostra a relevância das redes sociotécnicas e da governança participativa para o desenvolvimento territorial sustentável

 




A Embrapa Meio Ambiente acaba de lançar a obra "Caminhos da Transição Agroecológica no Leste Paulista", um livro que busca subsidiar a identificação de demandas prioritárias e a definição de estratégias coletivas para impulsionar a transição agroecológica na região. A publicação também visa fortalecer a integração entre comunidades rurais e seus parceiros nas áreas de extensão rural, ensino e pesquisa agropecuária, promovendo iniciativas que estimulem o desenvolvimento territorial com enfoque agroecológico.

Francisco Corrales, analista da Embrapa Meio Ambiente e um dos editores do livro, destaca que a publicação foi elaborada com o propósito de orientar o planejamento de ações em ciência e tecnologia, com uma visão estratégica para a agricultura brasileira. “Nosso foco inclui processos de gestão territorial, que contemplem a sustentabilidade dos sistemas de produção, considerando a conservação da água, do solo e da biodiversidade, além da mitigação dos impactos das mudanças climáticas”, explica Corrales. Ressalta ainda as contribuições em referenciais para iniciativas promotoras do desenvolvimento territorial rural em suas múltiplas dimensões: social, econômica, ambiental, política e ética.

A obra enfatiza a relevância das redes sociotécnicas e da governança participativa na transição para modelos sustentáveis de produção agropecuária. Para isso, propõe abordagens que favorecem a geração e o intercâmbio de conhecimentos, especialmente para a agricultura familiar, segmento que mais necessita de suporte público em ciência e tecnologia. A identificação de demandas locais, por meio de métodos participativos, é essencial para garantir tomadas de decisão coerentes com o contexto territorial.

Para Joel Queiroga, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente e editor do livro, a publicação não apenas apresenta estratégias para a produção sustentável de alimentos, mas também oferece diretrizes metodológicas na realização de diagnósticos socioambientais voltados ao conhecimento da realidade do território e processos participativos em prospecção de demandas. “Nosso objetivo é fortalecer a agroecologia e apoiar as iniciativas das populações mais vulneráveis, tanto no campo quanto nas cidades”, afirma Queiroga.

Pretende-se que a iniciativa contribua para o fortalecimento de práticas agroecológicas no Leste Paulista e em outras regiões do país. De acordo com a pesquisadora Cristina Criscuolo, da Embrapa Territorial e também editora do livro “Gostaríamos de inspirar pessoas e coletivos envolvidos em processos que contribuam para animação de processos e tomadas de decisão promotoras do desenvolvimento territorial sustentável, a partir dos princípios da agroecologia”. 

O livro parte do resgate histórico da Rede de Agroecologia do Leste Paulista e do aprendizado adquirido com o projeto “Prospecção de demandas e intercâmbio de conhecimentos para a transição agroecológica da agricultura familiar no território Leste Paulista”, realizado entre 2018 e 2022. A publicação tem 159 páginas e está estruturada em cinco capítulos. O primeiro apresenta o contexto histórico e as políticas públicas ligadas à agricultura familiar agroecológica, detalhando a evolução da Rede de Agroecologia do Leste Paulista e seu modelo de gestão.

O segundo aborda os referenciais teórico-metodológicos, destacando a prospecção de demandas, o intercâmbio de conhecimentos e as metodologias participativas. O terceiro trata da aplicação dessas metodologias na região, fornecendo um diagnóstico socioeconômico e ambiental do Leste Paulista. No quarto capítulo, os resultados obtidos são analisados e organizados em sete eixos programáticos que orientam os grupos de trabalho da rede. Por fim, o quinto capítulo aponta perspectivas para o futuro da Rede de Agroecologia do Leste Paulista e apresenta diretrizes para fortalecer a transição agroecológica e o desenvolvimento rural sustentável nesse território.

A publicação está alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), em especial ao ODS 2 - Fome Zero e Agricultura Sustentável e ao ODS 17 - Parcerias e Meios de Implementação. Contou com a participação de doze autores, vinculados a Unidades Descentralizadas da Embrapa (Meio Ambiente, Territorial, Agrobiologia e Meio-Norte), além de instituições de extensão rural e ensino superior, como a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral - Cati, a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo - Itesp e a Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. 

Conab promove palestra sobre acesso de comunidades tradicionais a políticas públicas de incentivo à agricultura familiar

 A qualificação de comunidades tradicionais para o acesso a políticas públicas de incentivo à agricultura familiar será o foco da palestra que acontece nesta quinta-feira (13), das 14h às 18h, no auditório da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em Brasília. O evento, de caráter formativo, é direcionado aos cursistas do Programa de Formação em Cadeias de Valor Sustentáveis e Inclusivas do Cerrado: Formar Baru, uma iniciativa do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em parceria com a Associação Quilombo Kalunga (AQK) e a CooperFrutos do Paraíso, ambas situadas na região da Chapada dos Veadeiros.

A abertura contará com a participação do presidente da Conab, Edegar Pretto, que reforçará a importância das políticas públicas voltadas à segurança alimentar e ao desenvolvimento sustentável. A cerimônia terá ainda a presença do coordenador de Apoio a Parcerias na Secretaria de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar (SEAB/MDA), João da Mata Nunes Rocha, da superintendente de Gestão da Oferta da Companhia, Candice Mello Romero Santos, da assessora da Diretoria de Política Agrícola e Informações da estatal, Naiara Bittencourt, e de um representante do IEB.

Após a abertura, será feita uma explanação sobre o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com destaque para suas modalidades de participação, incluindo a Compra com Doação Simultânea (CDS), amplamente utilizada por organizações como a CooperFrutos do Paraíso. Na sequência, será apresentada a Política de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Sociobiodiversidade (PGPMBio), detalhando como o cálculo dos custos de produção impacta a valorização dos produtos agroextrativistas. O evento será finalizado com a exposição do Programa Arroz da Gente, uma iniciativa do Governo Federal para incentivar a produção do grão em áreas que historicamente já o cultivaram.

O encontro tem como objetivo não apenas apresentar as políticas públicas disponíveis, mas também orientar os participantes sobre como acessá-las, com o intuito de fortalecer suas atividades produtivas e ampliar a comercialização de produtos agroextrativistas. Com um público formado por quilombolas, agricultores familiares e representantes de comunidades tradicionais do Cerrado Brasileiro, o Formar Baru busca qualificar essas populações para aprimorar suas cadeias produtivas, promovendo autonomia e protagonismo local. A iniciativa faz parte do projeto “Cerrado em pé com geração de renda: a cadeia produtiva do baru como aliada da biodiversidade e dos povos tra

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Brasil tem grande potencial para produção de peixes nativos

 



O tambaqui é o peixe nativo mais produzido no Brasil. De acordo com a última Pesquisa Pecuária Municipal (PPM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2023 o País produziu 113,6 mil toneladas da espécie, movimentando mais de 1,2 bilhão de reais no período.

Em termos de estados, Rondônia liderou a produção naquele ano, com quase 47,2 mil toneladas. Na sequência, vieram Roraima (com mais de 16,3 mil toneladas) e Maranhão (que produziu mais de 10,6 mil toneladas de tambaqui em 2023). Os três principais estados, portanto, responderam por cerca de 65% da produção nacional da espécie em 2023.

Considerando o potencial do Brasil, que possui regiões muito propícias à produção de peixes nativos, os números ainda são modestos. A Embrapa e outras instituições conjugam esforços para mudar esse cenário.

Ciência e setor produtivo se unem para construir pacotes tecnológicos em prol do tambaqui

 



Essa evolução no ganho de peso é mais um avanço que faz parte de um processo maior, construído em parceria entre a pesquisa e o setor produtivo, para melhorar a produtividade do tambaqui em tanque-rede, conforme a pesquisadora. Ainda não existe um protocolo completo de produção ou um pacote tecnológico para a espécie, diferentemente da tilápia, que já possui essas orientações e, muito em função disso, é o peixe mais produzido e exportado pelo Brasil.

Os resultados do Monotamba são zootécnicos, ou seja, referem-se à criação e à produção, mas ainda faltam resultados econômicos, tão importantes quanto os já obtidos. Segundo a pesquisadora, “é preciso calcular os indicadores econômicos para ver se esse tempo que o peixe tem que permanecer indoor vai representar um alto custo para o produtor”.

Um ponto fundamental é que, como os animais já são condicionados desde o início a se alimentarem apenas de ração e esse insumo pode representar até 80% dos custos de produção, saber a quantidade e o momento da alimentação passam a ser pontos de atenção ainda mais necessários para o produtor.

Além do ganho de peso já possível, o aumento da densidade de população nos tanques-rede é outra evolução próxima. Tavares acredita que uma densidade de 50 kg/m³ é viável. Dessa maneira, ocorreria outra diminuição de diferença entre a produção de tambaqui e a de tilápia, que é feita em densidades normalmente maiores.

A pesquisadora contextualiza o atual estágio dos trabalhos: “Estamos avançando, faz parte de um processo. Teremos espécies melhoradas para tanque-rede, teremos edição genômica que vai auxiliar também no ganho de peso nesse sistema de produção. Tem tudo para dar certo, é um baita potencial que o tambaqui tem, principalmente, para a Região Norte do Brasil”.

 

Foto: Aliny Melo

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Solo mais ácido diminui capim invasor e ajuda a restaurar vegetação nativa do Cerrado, aponta estudo


05 de fevereiro de 2025

Aplicação de sulfato ferroso em área degradada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, reduziu disponibilidade de nutrientes e conteve espécies exóticas, permitindo que gramíneas próprias do bioma, adaptadas a solos pobres, crescessem novamente

André Julião | Agência FAPESP – Em estudo publicado na revista Restoration Ecology, um grupo liderado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta um caminho promissor para a restauração do Cerrado.

Por meio de um experimento realizado no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, os autores demonstraram como, diferentemente do que fazem algumas iniciativas de restauração convencionais, não se deve adicionar nutrientes ao solo quando se trata do Cerrado, pelo contrário.

Em uma área em restauração dentro do parque, os pesquisadores analisaram o crescimento de gramíneas invasoras e de espécies nativas depois da aplicação de sulfato ferroso, que torna o solo mais ácido e diminui a disponibilidade de nutrientes. Nos locais em que o mineral foi aplicado, reduziu-se em quase 71% a ocorrência de invasoras, sem que houvesse prejuízo para as nativas.

“As plantas do Cerrado têm uma baixa demanda nutricional, são de crescimento lento. Enquanto as gramíneas invasoras crescem rápido e demandam muitos nutrientes. O sulfato ferroso devolve ao solo a condição mais próxima da original, favorecendo as nativas e dificultando o crescimento das invasoras”, explica Demétrius Lira Martins, que conduziu o trabalho durante seu pós-doutorado no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, com apoio da FAPESP.

A área de 50 hectares passou a ser restaurada em 2016, após cerca de 30 anos como pastagem. Quatro anos depois de retirado o capim exótico, feita a preparação do solo e a semeadura de espécies nativas, o local foi novamente tomado pelas gramíneas africanas.

Em 2021, a restauração foi retomada. Desta vez, foi estabelecido o experimento para verificar o efeito da acidificação do solo na contenção do capim exótico. Os pesquisadores demarcaram 14 blocos de 100 metros quadrados (m2). Em cada um deles, separaram quatro blocos menores, de 1 m2 cada, separados em 10 metros de distância entre si.

Em metade desses blocos, foi aplicado sulfato ferroso no solo antes da semeadura de gramíneas e arbustos nativos. Após quatro meses da última aplicação, foram coletadas e pesadas amostras das plantas que cresceram em cada quadrado, tanto nativas quanto exóticas.

Ao comparar os blocos, observou-se uma redução de 70,7% na biomassa das espécies invasoras onde foi realizada a acidificação, sem que houvesse prejuízo às espécies nativas. 

“A acidificação aumentou os níveis de alumínio no solo, que é tóxico para plantas convencionais. Mas as espécies nativas lidam muito bem com isso. Não é à toa que a primeira coisa que se faz após desmatar uma área de Cerrado para lavoura ou pastagem é fazer a calagem [aplicação de calcário], que diminui a disponibilidade de alumínio e aumenta de outros nutrientes”, conta Martins.


No alto, bloco experimental em início de implementação e que teve o solo acidificado ficou livre de capim invasor, com nativas retornando lentamente.
Na outra foto, local que não recebeu o sulfato ferroso tomado pelas espécies africanas (fotos: Demétrius Lira Martins)

Estratégias

O estudo integra o projeto “Restaurando ecossistemas neotropicais secos: seria a composição funcional das plantas a chave para o sucesso?”, apoiado pela FAPESP e coordenado por Rafael Silva Oliveira, professor do IB-Unicamp.

A estratégia apresentada agora se soma a outras desenvolvidas pelo grupo. Em trabalho anterior, também apoiado pela FAPESP, os pesquisadores mostraram como uma maior diversidade de espécies nativas funciona como forma de conter gramíneas invasoras (leia mais em: agencia.fapesp.br/50773).

No caso da acidificação, os pesquisadores ressalvam que o sulfato ferroso é apenas um dos compostos que podem realizar essa função. Experimentos no hemisfério Norte, por exemplo, usaram enxofre para o mesmo fim. Mas para realizar algo em grande escala no futuro é preciso antes avaliar o melhor custo-benefício.

“Em tese, qualquer substrato ácido pode servir. Uma das opções poderia ser o resíduo do processamento da cana-de-açúcar, que é abundante e barato. Por sua vez, a cama de frango descartada [serragem ou outro material usado no chão de granjas] é bastante ácida, mas contém muito nitrogênio, que favorece as invasoras. É preciso avaliar os possíveis impactos de cada opção e a viabilidade financeira”, pontua o pesquisador.

Ainda segundo Martins, outro fator a ser levado em conta em futuros trabalhos de restauração é a comunidade microbiana do solo, algo ainda pouco conhecido quando se trata do Cerrado.

“Os microrganismos do solo são a base da ciclagem de nutrientes. Por isso, formas de trazer de volta os originais do Cerrado são fundamentais para restaurar esse bioma tão ameaçado”, encerra.

Bônus PGPAF: Feijão e outros produtos contemplados pela Conab em fevereiro

 

Produtores de feijão do Distrito Federal e dos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina agora contam com o benefício do Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar (PGPAF), da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A leguminosa foi incluída em fevereiro na lista de bônus de desconto do programa, para aqueles agricultores que, ao venderem seus produtos, não atingem o preço mínimo de garantia estabelecido. A medida foi publicada, nesta segunda-feira (10), pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

Além do feijão, outros produtos continuam a ser contemplados pelo PGPAF, como o açaí (fruto de cultivo), banana, batata, cará/inhame, castanha-de-caju, cebola, erva-mate, feijão-caupi, manga, mel de abelha, raiz de mandioca e trigo, com alteração em alguns dos estados beneficiados e nos percentuais de desconto em determinados produtos.

A banana, por exemplo, terá bônus de desconto para produtores de Alagoas, Ceará, Pernambuco e Espírito Santo, com percentuais que variam de 3,44% até 43,88%. Já a batata, terá um bônus de 73,37% para os produtores do Paraná, representando um incentivo considerável para a produção deste tubérculo no estado.

A castanha-de-caju, por sua vez, terá bônus que variam de 29,18% a 46,06%, beneficiando produtores da Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte. O mel de abelha também segue na lista, com bônus entre 8,46% e 44,57% para produtores de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. A manga terá bônus de 55,91% a 69,33%, contemplando produtores da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Já o trigo terá bônus que variam de 1,82% a 16,83%, de acordo com o estado de produção.

O bônus de desconto do PGPAF é uma ferramenta para a manutenção da agricultura familiar no Brasil. Ele garante que os produtores recebam um preço justo por seus produtos, mesmo em situações de mercado desfavoráveis, contribuindo para a segurança alimentar e o desenvolvimento econômico do país. Para ter acesso ao bônus, o agricultor familiar precisa estar cadastrado no Pronaf, produzir um dos produtos contemplados pelo PGPAF e comprovar que o preço de venda do seu produto está abaixo do preço de garantia.

A lista completa dos produtos e seus respectivos bônus, bem como os estados contemplados, podem ser consultados na Portaria nº 310, de 06 de fevereiro.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Índice de viabilidade de produção de culturas anuais pode contribuir para a sustentabilidade da agricultura

 

Lavoura de soja em ponto de colheita no Cerrado


Lineu Neiva Rodrigues, pesquisador da Embrapa Cerrados
Fernanda Laurinda Valadares, doutora em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa

Num mundo onde os desafios associados à produção sustentável de alimentos se intensificam, o crescimento da agricultura deve ser bem plenejado e ordenado para reduzir tanto os impactos do clima sobre a produção de alimentos como a demanda de água azul – aquela encontrada em cursos d’água, lagos e reservatórios. Nesse contexto, é fundamental dispor de metodologias e ferramentas que possam apoiar políticas públicas que visem ao desenvolvimento regional sustentável.

A produção mundial de alimentos precisará aumentar em aproximadamente 60% para atender a demanda projetada para o ano de 20501. O desafio é aumentar a produção de forma sustentável, compatibilizando aspectos ambientais, econômicos e sociais2.

O clima é o fator que tem mais influência na produção agrícola. A incerteza, especialmente quanto às chuvas, principal fonte de água para as culturas, compromete a estabilidade da produção de alimento, sobretudo na agricultura de sequeiro, e coloca em risco a segurança hídrica de bacias hidrográficas3.

No Brasil, principal produtor e exportador de diversas commodities agrícolas, tem-se observado a redução da produção agrícola em vários locais em virtude da redução e/ou da má distribuição das chuvas, principalmente na região do Cerrado4, que responde por cerca de 45% da área agrícola nacional5.

Estima-se, por meio de estudos relacionados às projeções climáticas no Cerrado, aumentos na temperatura, prolongamento da estação seca e redução na disponibilidade hídrica, o que pode comprometer a agricultura na região, especialmente a agricultura de sequeiro6. Essas projeções têm implicações ainda mais significativas para áreas já sujeitas a conflitos relacionados ao uso e alocação de água7.

É imprescindível desenvolver resiliência diante das mudanças climáticas e mitigar os conflitos pelo uso da água. Entre as alternativas destacadas, inclui-se a intensificação de práticas agrícolas em áreas já cultivadas, como pastagens degradadas, bem como aprimorar a gestão e o planejamento dos recursos hídricos locais com base em informações hidrológicas básicas e confiáveis.

No contexto da intensificação, a irrigação se apresenta como uma das estratégias com maior potencial para aumentar a produção em uma mesma área, reduzindo os efeitos negativos do clima. Por outro lado, o crescimento da irrigação, maior usuária de recursos hídricos no Brasil, tem que ser bem coordenado para não intensificar os conflitos pelo uso da água, principalmente naquelas regiões que já se encontram com baixa disponibilidade hídrica. O principal desafio nessas regiões está em conciliar a expansão da irrigação, visando à estabilidade na produção de alimentos, com a disponibilidade de recursos hídricos8. No Cerrado, é cada vez mais importante produzir mais com uma menor quantidade de água9.

O desenvolvimento de várias regiões está pautado na sua capacidade de desenvolver a agricultura de forma sustentável10. A previsão da Agência Nacional de Águas é de que a área irrigada no Brasil aumentará em 3,64 milhões de hectares até o ano de 203011. Cerca de 64% da área irrigada no Brasil está na região do Cerrado12.

Essa região, onde a agricultura é a base da economia, já apresenta várias áreas em situação de estresse hídrico e com diferenças sociais devido às diferentes oportunidades de acesso à água. O crescimento da agricultura no Cerrado deve ser muito bem planejado, priorizando culturas mais aptas, datas de plantios mais adequadas, rotações de cultura mais sustentáveis e evitando regiões com baixa disponibilidade hídrica. O crescimento desorganizado compromete a segurança hídrica e alimentar, piorando a qualidade de vida das pessoas. 

Identificar, em grandes regiões como a do Cerrado, áreas mais aptas a se produzir, tanto em condições de sequeiro como sob irrigação, é estratégico para o estabelecimento de políticas públicas que visem ao desenvolvimento sustentável e à melhoria da qualidade de vida das pessoas. A identificação de regiões mais aptas a se produzir é parte crucial de um planejamento estratégico, cujo desenvolvimento tem sido dificultado pela falta de entendimento da complexa interação existente entre clima, solo e planta. A dificuldade no planejamento é aumentada pela falta de dados hidroclimáticos nas escalas de espaço e de tempo adequadas. Tal fato tem dificultado o planejamento, contribuído para aumentar os conflitos pelo uso da água e comprometido o desenvolvimento do Cerrado.

Por outro lado, essa situação oportuniza o uso de ferramentas de planejamento, como os indicadores de sustentabilidade. Em relação à disponibilidade hídrica, vários indicadores de sustentabilidade foram desenvolvidos13. Porém, eles não possibilitam, pelo menos de forma direta, uma avaliação comparativa da aptidão produtiva de áreas dentro de uma região, reduzindo a oportunidade de desenvolvimento de áreas com menor aptidão. Uma ferramenta adequada deve, portanto, ser capaz de indicar as áreas mais adequadas ao desenvolvimento da agricultura irrigada e de sequeiro, considerando as melhores épocas de semeadurea, variedades e rotações de culturas.

Uma das iniciativas nesse sentido foi o estudo desenvolvido pela Embrapa Cerrados em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV). Nesse estudo, foi desenvolvido o Índice de Viabilidade para Produção de Culturas Anuais (IVP) para avaliar as áreas mais adequadas em uma determinada região para a produção de culturas anuais de sequeiro e irrigadas. O IVP foi desenvolvido para subsidiar políticas públicas que contribuem para o crescimento sustentável da agricultura de sequeiro e irrigada. O IVP indica áreas, dentro de regiões, que sejam mais viáveis à produção de culturas agrícolas anuais, com foco na demanda e na oferta hídrica. O seu valor varia de zero a um. Quanto mais próximo da unidade, maior a aptidão da área para se produzir uma determinada cultura ou rotação de culturas. O IVP pode ser utilizado para comparar aptidões entre áreas de uma região, considerando diferentes datas de plantio e rotações de cultura.

O IVP é formado por dois indicadores para representar a agricultura irrigada (ISDIA) e de sequeiro (ISDRA), que por sua vez são compostos por cinco indicadores cada. No estudo da Embrapa e da UFV, o IVP foi aplicado no Bioma Cerrado para a cultura da soja, considerando três épocas de semeadura – 15 de setembro, 15 de outubro e 15 de novembro. Para obter o IVP do Bioma Cerrado, foi desenvolvido um modelo computacional em linguagem de programação Python. Esse modelo simulou mais de 20 mil regiões (pixels), realizando mais de 320 mil simulações. Além de avaliar a aptidão agrícola das áreas de Cerrado em relação a cada data de plantio, foi avaliada a melhor data de plantio em cada área.

Os resultados indicaram que a viabilidade da produção de soja é mais favorável nas regiões Noroeste, Norte e Nordeste do Cerrado, quando o plantio é feito nos meses de outubro e novembro, em comparação com setembro. Embora haja pouca variação entre outubro e novembro nessas regiões, o mês de outubro se destaca com valores mais altos. Já na região Central do bioma, a diferença entre o plantio em setembro e outubro não é significativa. No entanto, quando se compara o plantio em setembro e em novembro, torna-se evidente que o mês de setembro é a escolha mais vantajosa. E nas regiões Leste, Sudeste, Sudoeste e Oeste, o plantio em setembro se mostra mais viável em comparação a outubro e novembro. Dentro dessas regiões, outubro, de maneira geral, se destaca como o mês de maior aptidão para o cultivo de soja. Essas descobertas oferecem valiosas diretrizes para os agricultores na escolha das datas de plantio.

O Índice de Viabilidade para Produção de Culturas Anuais é uma ferramenta que foi desenvolvida para subsidiar o planejamento, visando ao desenvolvimento organizado e sustentável da agricultura. Ele se apresenta, portanto, como uma ferramenta para os gestores e produtores avaliarem a aptidão agrícola de áreas dentro de uma região, indicando as melhores culturas, épocas de plantio e rotações de cultura.

Mais informações sobre o estudo da Embrapa e da UFV podem ser obtidas no artigo científico:
Ferreira, Fernanda Laurinda Valadares; Rodrigues, Lineu Neiva. Production viability index for annual agricultural crops. AGRICULTURAL SYSTEMS, v. 222, p. 104173-15, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.agsy.2024.104173

Referências:
1. UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Relatório mundial das Nações Unidas sobre o desenvolvimento dos recursos hídricos 2021. O valor da água. 2021.

2. FAO - Organização das nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (2017) Representante da FAO Brasil apresenta cenário da demanda por alimentos. Disponível em: <http://www.fao.org/brasil/noticias/detail-events/en/c/901168/>. Acessado em: Junho, 2023

MASSRUHÁ, S. M. F. S.; LEITE, M. A. de A.; LUCHIARI JUNIOR, A.; EVANGELISTA, S. R. M. A transformação digital no campo rumo à agricultura sustentável e inteligente. In: MASSRUHÁ, S. M. F. S.; LEITE, M. A. de A.; OLIVEIRA, S. R. de M.; MEIRA, C. A. A.; LUCHIARI JUNIOR, A.; BOLFE, E. L. (Ed.). Agricultura digital: pesquisa, desenvolvimento e inovação nas cadeias produtivas. Brasília, DF: Embrapa, 2020. cap. 1, p. 20-45. https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/218131/1/LV-Agricultura-digital-2020.pdf  313, n. 5790, p. 1068-1072, 2006. https://doi.org/10.1126/science.1128845

3. CINTRA, P. H. N.; MELO, O. F. P.; MENEZES, J. O. S. Produção agrícola: Uma revisão bibliográfica sobre as mudanças climáticas e produtividade de plantas graníferas no brasil. Revista Agrotecnologia, v. 11, n. 1, p. 87-94, 2020. oai:ojs.pkp.sfu.ca:article/9720. Acessado em: 20 de junho de 2023

4. SILVA, D. S.; ARIMA, E. Y.; REIS, T. N.; RATTIS, L. Temperature effect on Brazilian soybean yields, and farmers’ responses. International Journal of Agricultural Sustainability, v. 21, n. 1, p. 2173370, 2023. https://doi.org/10.1080/14735903.2023.2173370

5. BOLFE, E.L.; SANO, E.E.; CAMPOS, S.K. Introdução. In: BOLFE, E.L.; SANO, E.E.; CAMPOS, S.K .(Technical editors). Dinâmica agrícola no cerrado: análises e projeções. 1 ed. Brasília, DF: Embrapa, p. 15-20, 2020. http://www.alice.cnptia.embrapa.br/alice/handle/doc/1121716 (Accessed 30 March 2021)

6. CHOU, S. C.; LYRA, A.; MOURÃO, C.; DERECZYNSKI, C.; PILOTTO, I.; GOMES, J., ... MARENGO, J. Assessment of climate change over South America under RCP 4.5 and 8.5 downscaling scenarios. American Journal of Climate Change, v. 03, n. 05, p. 512–527, 2014. https://doi.org/10.4236/ajcc.2014.35043

OLIVEIRA, K.P.D.; MATOS, T.S.; SOUSA JUNIOR, M.F.D.; ULIANA, E.M. Vazões mínimas de referência Q95, Q90 e Q7,10 para a bacia do rio Jequitinhonha, Minas Gerais. V Jornada Acadêmica da Engenharia Agrícola e Ambiental. UFMT, Campus Universitário de Sinop, 2017.

PIRES, G. F.; ABRAHÃO, G. M.; BRUMATTI, L. M.; OLIVEIRA, L. J.; COSTA, M. H.; LIDDICOAT, S.; KATO, E.; LADLE, R. J. Increased climate risk in Brazilian double cropping agriculture systems: Implications for land use in Northern Brazil. Agricultural and Forest Meteorology, v. 228, p. 286–298, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.agrformet.2016.07.005

7. POUSA, R.; COSTA, M. H.; PIMENTA, F. M.; FONTES, V. C.; BRITO, V. F. A. de; CASTRO, M. Climate change and intense irrigation growth in western Bahia, Brazil: The urgent need for hydroclimatic monitoring. Water, v. 11, n. 5, p. 933, 2019. https://doi.org/10.3390/w11050933

RODRIGUES, L. N.; SILVA, L. M. C.; FREITAS, M. A. S. Reservação: Planejamento e gerenciamento da água com vistas à redução de conflitos. ITEM. Irrigação e Tecnologia Moderna, v. 100, p. 34–38, 2014.

8. RODRIGUES, L.N. Quantidade de água utilizada na agricultura irrigada: certezas e incertezas nas estimativas. ITEM. Irrigação & Tecnologia Moderna, v.114, p. 47-53, 2017.

9. RODRIGUES, L. N.; ALTHOFF, D.; SANTANA, N. C.; FARIAS, D B DOS S. Importância da Agricultura Irrigada para a Sustentabilidade da Produção de Alimentos no Cerrado. In: RODRIGUES, L. N (Editor técnico). Agricultura irrigada no Cerrado: subsídios para o desenvolvimento sustentável. 1 ed. Brasília, DF: Embrapa, 2023, p. 19-33.

10. ALTIERI, M. A.; NICHOLLS, C. I. The adaptation and mitigation potential of traditional agriculture in a changing climate. Climatic change, v. 140, p. 33-45, 2017. https://doi.org/10.1007/s10584-013-0909-y

11. ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2017: relatório pleno. Brasília, DF, 169 p. 2017b.

12. BRASIL. Análise territorial para o desenvolvimento da agricultura irrigada no Brasil. Brasília: MI, 217 p. 2014.

13. LIU, J.; LIU, Q.; YANG, H. Assessing water scarcity by simultaneously considering environmental flow requirements, water quantity, and water quality. Ecological indicators, v. 60, p. 434-441, 2016. https://doi.org/10.1016/j.ecolind.2015.07.019


Original e atualizações: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/98052600/artigo---indice-de-viabilidade-de-producao-de-culturas-anuais-pode-contribuir-para-a-sustentabilidade-da-agricultura

Núcleo de Comunicação Organizacional - NCO

Congresso Brasileiro de Soja debaterá 100 anos de soja no Brasil vislumbrando o amanhã

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